A desumanização do ser humano

O ser humano é mal. A sua crueldade parece não ter limite. Aliás, o que se vê é a desumanização generalizada. Ama-se coisas e despreza-se o semelhante. Vive-se hipocritamente o politicamente correto, sem que se tenha coragem de lutar pelo correto e fazer valer o que é direito.
A desumanização fica clara, quando lemos os jornais e assistimos aos telejornais. As notícias dos refugiados que são impedidos de entrar em determinados países, dos imigrantes que são presos e suas famílias totalmente separadas. Não há direitos humanos e humanos direitos. Os mais fortes se julgam no direito de violar os estatutos por eles criados. É fundamental recordar o documento assinado em 1948, pelas Nações Unidas, e que ficou conhecido como Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas onde estão estes direitos?
A violência grassa e o tratamento desigual é cada vez maior. Nega-se o direito de igualdade e mostra-se acintosamente que nem todos têm direitos e que, há um grupo que é tratado como sub-humano, por aqueles que detém o poder.
Vivemos dias em que a maldade se tornou tão banal e por causa da mesma, o ser humano isola-se, e se torna cada vez mais comum, ver pessoas preferindo estar com seus animais do que que em contato com seu semelhante. O ser humano tem medo do seu próximo. A desumanização do ser humano é vista diariamente e tem sido tão banalizada que torna-se apenas mais um negócio que rende milhões e logo a seguir surge uma outra notícia, mas o desumanizado ser, não assume uma postura para mudar a situação.
Diante da desumanização do ser humano, vale voltar os olhos para o poema que o amazonense Thiago de Mello dedicou a Carlos Heitor Cony “Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)”, poema escrito como um grito de protesto e passados todos este anos, ainda é presente. Vale a pena ler e refletir no que o poeta caboclo escreveu:
Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.
Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
Contudo, tenho que dizer que não é assim que vive a humanidade meu querido poeta, o ser humano não se humaniza, não valoriza o seu próximo e não deseja viver em paz um com o outro. Muito pior, o desumanizado ser humano desconsidera o seu semelhante. Aliás, ele prefere pensar em semelhante do que em próximo, até porque “Jesus ordenou “amar o próximo”. Porque é fácil amar o distante. O próximo é aquele que está no meu caminho, que tem o poder de me dizer não.”
A desumanização acontece por causa da descrença que se vive. Já dizia Dostoievsky “Se não há Deus, tudo é permitido” A violência e a maldade tornam-se o prato do dia, o ódio impera e confunde-se prazer com amor, até porque sem Deus não há amor. A Escritura deixa claro que “Deus é amor”. E é mister perceber que: “Amar, segundo os textos sagrados, é fazer aos outros aquilo que desejaríamos que fosse feito conosco numa situação semelhante.”
É fundamental reumanizar o desumanizado humano e para dar início a esta caminhada humanizadora, Enrique Rojas diz que é preciso “tomar a iniciativa de cultivar no seu interior a sabedoria clássica, o significado do mundo romano, o amor pelas tradições e o regresso do pensamento cristão.” Contudo, e acima de tudo, é preciso mais do que voltar às tradições, é mister voltar-te para o ETERNO e reconhecê-lo e perceber que mais que semelhantes um do outro, somos imagem e semelhança d’Ele e se Ele é amor, precisamos e devemos ser amorosos uns, para com os outros.