A entrega

Leio a notícia no site do Público que diz que os médicos estão exaustos e em sofrimento ético. Diante de tal notícia, lembrei dos dias em que simplesmente batia-se palmas para homenagear esses profissionais que estão cuidando daqueles que sofrem nessa pandemia. Contudo, a melhor homenagem que podemos fazer a eles, é seguir os protocolos de segurança para que que não venhamos a sobrecarregá-los de trabalho e tirar-lhes o sono e o descanso.
A notícia diz o seguinte: “Em muitas urgências, pratica-se “uma medicina de catástrofe”, com médicos e enfermeiros exaustos, desesperados e “em sofrimento ético” por não conseguirem chegar a todos os doentes. Nos cuidados intensivos, a ruptura vive-se “em câmara lenta” e mudam-se os critérios de admissibilidade dos doentes, por falta de camas”. E assim, vemos que aqueles que devem cuidar necessitam de cuidados. Os nossos médicos estão fadigados, feridos e necessitando de cuidados. Nossos médicos estão doentes e devemos recordar o que disse Camus no livro A Peste: “Um doente precisa de ternura, gosta de se sentir apoiado em qualquer coisa, o que é bastante natural”. Sendo assim, é hora de apoiá-los e de colocarmo-nos ao lado deles e não aumentar-lhes a carga de trabalho. O melhor que podemos fazer é seguir todos os protocolos para que consigamos abrandar o número de internamentos por causa do Covid-19.
Os profissionais de saúde estão em sofrimento. Eles passam por um momento de autossacrifício, uma entrega incondicional, mas estão no limite. Entretanto, espero que os nossos cuidadores percebam que: “O autossacrifício extremo exige autocuidado estremo. É verdade. Se você não cuidar de si mesmo, pensando que pode ser um herói e desprezar as realidades da vida, estará pisando em território perigoso. Cuidar de si mesmo não é uma opção. É o antídoto da exaustão, dos relacionamentos desfeitos e do estresse e um componente necessário na vida (…)”. Que os profissionais de saúde tenham condições para cuidar de si mesmos ou que sejam cuidados através de nossas atitudes.
Os profissionais de saúde estão esgotados e se sentindo completamente impotentes. Mas este é o momento de dizermos a eles que: “é através da nossa impotência que poderemos entrar em solidariedade com os seres humanos, nossos irmãos, formando uma comunidade com os fracos, e revelando assim a misericórdia de Deus que cura, guia e nos sustém”. E é assim que vemos a humanização da saúde e percebemos que os profissionais são tão frágeis quanto qualquer um de nós.
Nossos profissionais da saúde estão fragilizados, vazios e vulneráveis e é assim que neles podemos ver a maior expressão do cristianismo, que é o esvaziamento, até porque, somos chamados para termos “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” (Fp 2.6-8). Este é o nosso desafio até porque: “Como seguidores de Cristo, somos enviados ao mundo, nus, vulneráveis e fracos, podemos assim alcançar os outros homens, nossos irmãos, na sua dor e agonia, e revelar-lhes o poder do amor de Deus, transmitindo-lhes o poder do Espírito de Deus”.
A reportagem mostrava que os profissionais de saúde estão exauridos, totalmente sem forças, enfermos e necessitando de cuidados, até porque, como escreve Lobo Antunes: “Os médicos têm muitas vezes uma enorme dificuldade em lidar com a morte, porque, no seu íntimo, esta é quase sempre tomada como equivalente à derrota”. Entretanto, diante de tudo o que estamos vivendo percebemos que “há sempre uma dimensão espiritual na vida e na morte, embora muitas vezes abafada ou até negada. Mas é ela que obriga a interrogarmo-nos sobre qual a nossa razão de existir”. E, diante de tal questionamento, possamos responder como o apóstolo Paulo: “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” (Gl 2.20).