A imagem do amor
Atualizado: 7 de jan. de 2020
A verdade é que, para viver bem é preciso amar, e amar até o fim.

A única certeza que temos na vida é que um dia morreremos. Contudo, a sociedade baniu a morte. Ela foi levada para longe de nós. “O mundo que nos rodeia não nos ensina a morrer. Tudo é feito para esconder a morte, para nos incitar a viver sem pensar nela, nos moldes de um projecto, voltados para o objectivos a atingir, sustentados por valores de efectividade. Ele não nos ensina, tão-pouco, a viver.” (Hennezel & Jean-Yves Leloup, 2001). Quem não sabe viver, não sabe morrer.
A verdade é que, para viver bem é preciso amar, e amar até o fim. Bem afirmou Roger-Pol Droit (Droit, 2015), “se me restasse apenas uma hora para viver, gritaria que o amor é a única coisa no mundo que vale a pena.” E amar é doar-se ao outro. É cuidar, mesmo que no cuidado surjam as lágrimas antecipatórias da despedida. É sentindo esta dor, que nos fazemos solidários, acompanhamos o nosso ente querido, até porque, “acompanhar um ente querido à beira da morte é uma tarefa que diz respeito a toda gente, uma questão de solidariedade acima de tudo.” (Hennezel & Jean-Yves Leloup, 2001).
A vida segue seu fluxo e seu fim não somos nós quem determinamos. Sendo assim, é preciso ter coragem de dar vida mesmo quando o fim se aproxima. Como diz Bénédicte Rivoire (Rivoire, 2009) “Esta é uma etapa difícil, pois verbalizar a morte é admitir que ela está presente, próxima, que ela é real, é reconhecer plenamente a sua finitude, por vezes com vago receio, semelhante a uma superstição, que que falar dela é antecipá-la. Mas falar sobre a morte é ir ao encontro daquele que vai partir na circunstância em que ele se encontra, e para quem a morte surge no horizonte como ponto de mira da sua vida actual. Paradoxalmente, falar da morte é dar vida àquele que amas, torná-lo vivo e actor deste pedaço da vida em que ele já não é senhor de grande coisa.” Quem ama, concede vida e não desiste de se fazer próximo daquele que se despede.
O verdadeiro amor é capaz de suportar a dor. Paulo diz que ele tudo suporta. Ele tem a capacidade de suportar as metamorfoses da vida. O amor nos leva a aceitar tudo. E sobre isto diz Droit (Droit, 2015) “ se amas, vais deixar de amar por causa de algumas rugas? Pelo contrário, com o tempo as metamorfoses do corpo do outro comovem-nos e enternecem-nos, não poderiam repugnar-nos e muito menos fazer-nos deixar de amar!
O pseudo argumento da repugnância implica estranhas fronteiras, gosto dos teus olhos, mas não do teu apêndice, derreto-me ao ouvir a tua voz, mas o teu lobo parietal provoca-me náuseas, onde vamos buscar estes limites absurdos?
O amor engloba tudo, cerúmen e excrementos, aparas de unhas, peles mortas e cabelos, cerebelo e pâncreas, qualquer restrição neste campo é absurda. O amor nunca faz triagem, ignora as distinções da vida corrente, «limpo» ou «sujo» ou «digno» ou «indigno», «rico» ou «pobre». O amor tem a capacidade da aceitação. O outro é amado pelo ser e não por causa da sua imagem e muito menos pelo que aparenta ser. O amor é incondicional.
Diante da eminência da morte. No processo da despedida é que, ao sentir a dor do momento, consolando e cuidando, quando na verdade necessitamos ser consolados e amparados é que percebemos que “o amor, a coisa mais alegre, revela-se como a coisa mais triste. Diante da morte, o amor ganha cores trágicas.” (Alves, 2000).
Na hora da despedida, o amor tem as cores trágicas, mas também o amor, apesar da dor que sentem aqueles que se despedem, tem a sua imagem. A mais bonita e dolorosa imagem do amor é a de Jesus na cruz e esta jamais poderemos dimensionar. Contudo, além desta imagem, eu vi outra imagem do amor. Meu tio, finalizando seus dias, deitado em uma cama, em casa, sendo cuidado por sua esposa e filhas. Sim, ali o amor estava se manifestando como a coisa mais triste, mas dolorosa que há, mas também se expressando como a coisa mais forte que há, pois naquele momento a vida se fazia presente e se concedia vida e vida abundante.
O amor pode até causar dor, mas quem ama vai estar presente até o fim. O apóstolo João falando de Jesus e da concretude do seu tempo disse: “Ora, antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.” (Jo 13.1). Esta é a imagem do amor. Ele não desiste. Vai até o fim, apesar da dor que se tem que sentir.
No quarto, eu vejo o marido e pai, deitado e sem forças. Amando e sendo amado. Ali eu vejo a expressão do amor e a imagem do amor que assume seu lado triste, mas que ensina-me que quem ama cuida e fica até o fim.
Autor: Pr. Marcos Amazonas