Construtores da Felicidade

Há pessoas que marcam à nossa vida, e nem nos damos conta do quão importantes foram para nós. São pessoas que passam por nós e seus pequenos gestos e atitudes são como bombas de efeito retardado, que explodem em determinados momentos relembrando-nos tudo o que aquela pessoa foi e fez em nós e por nós.
Hoje lembrei de uma dessas pessoas que passaram por minha vida, e, sempre que estivemos juntos, ela deixou-me com aquele “que” de felicidade. Convivemos pouco, nos encontrávamos na casa de parentes comuns ou muitas vezes quando eu passava perto do cemitério, pois ela cuidava de algumas campas.
Na realidade, ela era o tipo de pessoa que nossa sociedade desprezaria. Estava sempre com roupas muito simples. Não andava na moda. Aliás, parecia uma pedinte. Se passássemos por ela, a tendência natural seria fugir daquela mulher, mas os que tiveram a oportunidade de conviver com ela, sabem da sua vitalidade, sensibilidade e alegria.
Em Manaus, ela ficou conhecida como Maria dos cachorros, e tudo porque não podia ver um cachorro abandonado, pois ela o acolhia e cuidava dele. Aliás, ela andava sempre com biscoitos para oferecer aos cães. Estava sempre rodeada e guardada por muitos cães. Maria cuidava de todos eles e eles cuidavam dela. Maria era pura alegria. Nunca a vi reclamar de nada. Sempre a vi com um sorriso e com um humor fantástico.
Maria era pura alegria. E antes que seja tarde é preciso que se diga que era a minha tia Maria. Ela era bem mais velha que eu, mas conseguia vir ao meu encontro e no seu jeito ela distribuía alegria. Na sua ousadia ela fazia com que as gargalhadas fluíssem de modo natural em nossos lábios.
Ela viveu com intensidade. Rompeu as barreiras, espalhou felicidade e foi felicidade para nós. Foi uma mulher que iluminou os becos da vida. Enchia todos com sua simplicidade e alegria. E antes que seja tarde é preciso dizer que ela viveu desprendidamente e só os que vivem despegados de coisas conseguem marcar intensamente a vida das pessoas.
Maria marcou-me muito. E hoje dei-me conta da falta que ela faz. E faz falta porque foi alguém que ensinou a valorizar as pequenas coisas da vida. Ela faz falta porque sabia cuidar de gente, mas também não desprezava à criação de Deus e alguém como ela faz falta, porque vivemos num mundo onde carecemos de alegria e ela era pura alegria.
Minha memória é musical. E ouvi a canção de Ivan Lins, “Antes que seja tarde” e só me veio a mente a tia Maria. Uma mulher simples que não esperou ser tarde para encher os outros de felicidade. Ele fez cada momento de encontro único e na unicidade do encontro não permitiu que entardecesse para que a felicidade brotasse.
Nossa sociedade necessita de mais Marias. Necessita de gente desprendida de coisas, mas que ame pessoas e por amar, tudo o que procura fazer é gerar felicidade. Estamos carentes de gente que cuide do ser e não fique presa ao ter. Necessitamos urgentemente de pessoas e se calhar, eu e tu somos estas pessoas, que se tornem construtores de felicidade e isto antes que seja tarde demais.
Convivi muito pouco com a tia Maria. Sei que ela ficou viúva muito cedo. Criou as filhas e pouco mais. Ela era uma tia distante, mas apesar de sua dor e tragédia, não entregou os pontos. Não desistiu da vida, não amargurou e viveu com graça.
Ela foi uma construtora de felicidade. Na sua força e na sua vontade de viver. Nossos encontros foram sempre marcados pela alegria e só hoje é que me dou conta das muitas rugas que ela carregava. Seu rosto marcado pelas intempéries da vida, mas apesar disto, ela seguiu adiante construindo felicidade.
Ela deixou sementes que florescem em mim. Ela fez alarde e na sua chamada de atenção é que hoje eu quero ver brotar na sociedade gente como ela. Quero ver surgir construtores de felicidade, antes que seja tarde.
Tia Maria foi bênção e Escritura diz que Deus chamou Abrão e disse que iria abençoá-lo, mas no presente ele tinha que ser bênção (Gn 12.1-2). Assim como Abraão, e tia Maria, que vivemos desprendidamente e sejamos construtores de felicidade e bênção na vida dos demais.