Dai-lhe vós de comer

A fome continua sendo um dilema universal e, atualmente, há pessoas desnutridas e muitas dessas estão morrendo por não terem nada o que comer. Além disso, triste é perceber que em muitos lugares estraga-se comida, enquanto em outros, pessoas morrem à míngua.
Quando lidamos com problemas sociais, sempre esperamos que os outros tomem a iniciativa e queremos que os governos assumam a responsabilidade à medida que nos desculpamos, declarando que já pagamos impostos demais, sem falar que já ajudamos muita gente e não podemos ficar sobrecarregados. Entretanto, gosto muito de um episódio na vida de Jesus em que os seus discípulos estavam preocupados com as pessoas e pediram para que Ele as mandasse embora para que pudessem adquirir algo para comer. No entanto, percebemos que Senhor Jesus assume a sua responsabilidade sobre todos eles. Vejamos o que diz o texto: “E, como o dia fosse já muito adiantado, os seus discípulos se aproximaram dele, e lhe disseram: O lugar é deserto, e o dia está já muito adiantado. Despede-os, para que vão aos lugares e aldeias circunvizinhas, e comprem pão para si; porque não têm que comer. Ele, porém, respondendo, lhes disse: Dai-lhes vós de comer.” (Mc 6.35-37a). Jesus disse claramente para que os discípulos assumissem a sua responsabilidade. Refletindo sobre esse episódio recorde-me da excelente entrevista concedida pelo bispo Francisco de Mata Mourisca à revista Visão, nº 539. As respostas foram diretas e sinceras e uma dessas respostas chamou-me a atenção, pois ele declarou: “Angola é um País rico de gente pobre e há muito tempo. Sei que é um território com diamantes e petróleo. Mas, também sei que o povo está com fome, que não tem comida, e se eu não lhe der morre mesmo de fome.” Essa é uma realidade que assola vários países e não apenas angola, e agora com o flagelo do Covid-19 percebemos que a tendência da fome é aumentar e se alastrar ainda mais.
Gosto muito dessa passagem, pois ela não permite espaço para desculpas. Jesus diz que seus discípulos têm que assumir a responsabilidade de cuidar das pessoas e a primeira lição que aprendemos é que não podemos despedir as pessoas de mãos vazias, carregando consigo as suas necessidades. Entretanto, é isso que fazemos. Reconhecemos que há um problema, vemos a necessidade das pessoas, mas não nos envolvemos para que haja uma solução. É muito fácil apontar os defeitos, até mesmo apresentar soluções, mas o difícil é envolvermo-nos e sermos a solução para o problema que as pessoas estão a vivenciar. Notem que os discípulos agiram, reconheceram que havia um problema, que o povo não tinha o que comer e que já era tarde. Portanto, para os discípulos, e o melhor a fazer era deixar as pessoas irem embora e que cada um desse seu jeito para alimentar-se. Não houve preocupação em saber se tinham dinheiro ou não para adquirirem comida. A única preocupação é que eles fossem mandados embora e muitas das vezes essa é a nossa atitude também. Assim como os discípulos, também não temos assumido a responsabilidade e a deixamos sob os auspícios dos outros. Vivemos com Cristo, caminhamos com Ele, mas somos egoístas demais para cuidar dos outros como Ele cuida de nós.
O texto é confrontador. Jesus manda: “Dai-lhe vós de comer”. É um imperativo e diz que o discípulo é responsável pela vida e pelo dilema do outro. Não há desculpas, é preciso parar de esperar que os outros façam e assumir a responsabilidade; agir. Se a pessoa veio até você é porque ela está dependendo da sua atuação, da sua entrega e está confiando que você irá ser o canal da bênção de Deus na vida dela. Sendo assim, não permita que as pessoas saiam decepcionadas. Eis a lição que precisamos aprender: Quando somos confrontados com as pessoas e elas expressam as suas aflições, isto mostra que elas confiam em nós e nos dizem que temos a capacidade de ajudá-las. Portanto, não nos é permitido despedi-las de mãos vazias. É preciso alimentá-las nas suas carências e na sua fome existencial.
Um último aprendizado deste texto, mas que é transversal em toda a Escritura é que as Pessoas valem mais que coisas. Dinheiro existe para ser usado e não para ser amado; são as pessoas que devem ser valorizadas e amadas. É triste perceber que muitos cristãos agem como os discípulos que se preocuparam com a quantidade de dinheiro que iriam gastar para alimentar as pessoas, mas não pensaram nelas. Quem tem amor ao dinheiro, quem o faz seu deus, sempre irá esquecer das pessoas, pois sempre pensará em si em primeiro lugar e dificilmente meterá a mão no bolso para cuidar do seu semelhante. Jesus mostra aos seus discípulos e a nós que as pessoas devem ter primazia. Não podemos valorizar coisas em detrimento das pessoas e a verdade é que na sociedade de consumo em que vivemos, os valores são invertidos, mas devemos seguir o exemplo do Mestre que agiu em nosso favor e nós devemos obedecer ao seu imperativo e assumir a responsabilidade.
Eu vou cuidar e amparar aqueles que se chegarem a mim e repartir com eles e tu, o que irás fazer?