Lamento por aqueles que já não são

Recentemente, o Brasil perdeu um dos seus grandes compositores, Aldir Blanc, que com seus parceiros, encantou o Brasil e não só com as suas letras. Uma das canções que sempre volto a escutar é a sua composição na parceria com João Bosco e interpretada por Elis Regina. A canção “O bêbado e o equilibrista”, que ficou conhecida como “Hino da Anistia”, foi escrita para a volta do irmão de Henfil, Herbet José de Sousa, o famoso Betinho que, na ocasião, encontrava-se exilado.
Esta canção é totalmente apropriada para o momento que estamos vivendo, pois ela fala de luto, lamento pelos que partiram, mas também Aldir Blanc junta a dor da partida com a alegria da chegada. Creio que é assim que estamos no atual momento, e tal qual o equilibrista, estamos buscando serenidade, estabilidade emocional para poder continuar a vida sem desesperar.
Esta canção é um hino à vida. Ela diz que a vida deve e tem que continuar e mesmo que a dor e a tragédia nos abatam, mesmo que os algozes do momento ousem vilipendiar e eliminar os que pensam diferente, não será inútil, a esperança.
Aldir Blanc fala da dor do luto. A canção inicia referindo-se a Charles Chaplin que havia falecido em 25/12/1977, mas também fala do luto de Maria Fiel e Clarisse Herzog, viúvas que choravam a morte dos maridos nos porões do DOI-CODI, simplesmente por pensarem diferente. Esta canção, cheia de sensibilidade, mostra que diante da tragédia é preciso lamentar. A Bíblia já diz isto. Mateus escreveu: “Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto (choro) e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem.” (Mt 2.18). Mateus diz que a profecia de Jeremias se cumpriu com o ato tresloucado de Herodes que mandou matar todos os meninos de dois anos para baixo (Mt 2.16-18). Nesse sentido, quando a morte ceifa os que amamos, precisamos lamentar e chorar.
A narrativa de Mateus é interessante, pois depois de falar da tragédia, fala do falecimento de Herodes e do regresso de José com sua família para a cidade de Nazaré (Mt 2.19-23). A esperança do retorno e neste momento em que choram Marias, Clarisses, não apenas no solo do Brasil é fundamental saber que esta dor não será em vão, até porque, dor partilhada é dor suavizada. Esta dor, a dor da perda, mostra a nossa humanidade, mostra que pagamos o preço por amar e que alimentamos a esperança do reencontro.
Aldir Blanc, que faleceu vítima do cruel covid-19, nos deixou uma canção cheia de referências históricas, mas muito mais que a historicidade da sua canção, fica um hino ao amor que se vive e se demonstra em vida, mas que se torna paixão, sofrimento, lamento e a única maneira de não se afogar interiormente é chorando. Que neste dia, possamos fazer o mesmo que fizeram Maria e Clarisse e choremos por aqueles que já não são.
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