O dia da minha morte

A única certeza que temos na vida, é que um dia iremos morrer. A Escritura diz: “Tudo tem seu tempo determinado, e há um tempo para todo propósito debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou” (Ec 3.1-2). A morte um dia chegará para mim e desejo que ela venha numa brisa leve. Sim, que ela venha e me leve sem o peso da culpa, que ela seja leve e breve. O acorde final da minha sinfonia. Quero meus amigos comigo. Quero os familiares ao meu lado. Quero celebração e alegria. Nada de tristeza.
Que venhas tranquila, pois será o nosso encontro, o nosso momento e seremos um, tu e eu. Chegarás para mim e eu irei a ti, mas minha ida ao teu encontro anuncia o teu fim. Vens silenciosa. Cada dia que passa a tua chegada é uma realidade mais próxima. Na verdade, nosso encontro, por mais que eu esteja com amigos e familiares, será único e pessoal. Seremos só nós dois e nada mais ficará para depois.
Fazes parte da minha vida. Estás em mim e a tua manifestação decreta teu fim. Enfim, serás derrotada no teu momento glorioso, em que me tomas em teus braços, me acolhes e ao fazê-lo junto comigo partes para nunca mais regressar. Contudo, eu irei retornar, irei desfrutar do melhor e da vida mais que gloriosa, pois a Escritura diz: “Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” (1 Co 15.51-55).
Quero que venhas tranquila. Que eu te receba num dia calmo, com um sol radiante do lado de fora. Que nos meus lábios esteja o mais belo sorriso, ao fundo a mais bela das melodias e eu celebrando a alegria. Sei que os meus ficarão tristes. Quantos estarão ao meu lado? Quantos virão?
Os meus olharão e não me verão mais. O que fica é uma casca vazia. Não sou eu, é apenas o receptáculo do que eu fui. Meu ser, eu mesmo, estarei vivendo numa dimensão distinta. Estarei cheio de prazer e alegria. Aqui fica o cansaço, a dor, a tristeza. Vou livre e livre sou. Deixo as mazelas todas. Vou em paz e na paz, na certeza de que fiz o que tinha que fazer. Convicto de que errei e errei muito, acertei algumas vezes. Entreguei-me completamente e amei perdidamente.
Quero que venhas de surpresa. Arrebatadoramente, mas que a tua manifestação me encontre sorridentemente. Desprovido de medo. Farto de dias. Que venhas numa brisa leve e me leve com prazer. Que venhas receber-me e me ter, como teu amado, amante e que neste instante insondável e inexplicável de encontro amoroso como diz Vinícius de Moraes no seu poema “Haver”:
"Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada."
Quero que venhas assim, neste diálogo de amor. Que te manifestes como minha amada. Como companheira de jornada. Mas, quero que saibas que tua chegada decreta a tua destruição. Tua chegada é minha partida e na partida deixo para trás os fardos e levo tudo o que entreguei, levo os amores que vivi e entro para a vida entregando-me nos braços do AMOR.