Obrigado por me ouvir

Minha memória é musical. Por isso, necessito da música para poder recordar eventos. Preciso de música para refletir. Tenho necessidade de ficar no meu canto quieto, quase que num processo de ruminação para buscar respostas às minhas perguntas e também para encontrar respostas aos dilemas que são apresentados por amigos ou outras pessoas.
Tenho visto pessoas que desejam desabafar. Encontro-me com algumas delas, mas soube de alguém que estava em sofrimento e não tinha ninguém que a escutasse. Estive ponderando os porquês de não se ter alguém para desabafar. Encontrei algumas respostas, mas não quis deixar de pensar nessa temática e lembrei-me da música de Sérgio Souto, onde ele desabafa com um amigo. Os dois se encontram num bar e, é nesse encontro que há uma relação terapêutica e escuta ativa.
O sofredor mostra toda a sua realidade, como foi abandonado e diz que o que lhe resta são os amigos de bar. A mulher amada o deixou. Ele fala da sua tristeza e tem alguém para escutá-lo.
A canção “Falsa Alegria” diz:
"Puxa a cadeira e senta conversa com um velho amigo
A muito tempo preciso contar todo o meu castigo
Mas veja que graça a dor estampada em meu rosto
E a sombra da noite que hoje me servem de encosto
Senta eu explico tudo o que a vida me fez
As vezes nem quero pensar mas me fica o talvez
Veja que eu aparento bem mais uns dez anos
E as mágoas do tempo acabaram com todos os meus planos
Agora a lua está boa para se cantar pega o violão
Dedilha um samba enquanto eu afino o coração
Te juro não olho pro nome dela gravado na mesa
E deixa um segundo a alegria enganar a tristeza
Desce mais uma cerveja bem gelada seu garção
Que essa rodada é por conta da casa do patrão
Eu hoje só tenho uns amigos de bar
E deixo essa falsa alegria a tristeza enganar
Agora a lua está boa para se cantar pega o violão
Dedilha um samba enquanto eu afino o coração
Te juro não olho pro nome dela gravado na mesa
E deixa um segundo a alegria enganar a tristeza
Desce mais uma cerveja bem gelada seu garção
Que essa rodada é por conta da casa do patrão
Eu hoje só tenho uns amigos de bar
E deixo essa falsa alegria a tristeza enganar"
Essa canção até parece um monólogo. Mas é interessante perceber a pessoa que precisa desabafar sente-se acolhida ao ponto de pedir até mais uma cerveja para continuarem a conversa.
Será que eu tenho um grupo de amigos para desabafar?
Será que eu tenho alguém para chamar e dizer: Senta-te aqui comigo, pois preciso desabafar. Tenho que contar-te o que me aflige, partilhar as minhas dores. Tenho alguém com quem possa desabafar?
Sou uma pessoa que conhece a realidade dos bares. Conheço o que lá se vive e reconheço a falsa alegria, que muitas vezes se faz presente. Também sei que ali é um lugar onde podemos desabafar. Podemos falar sobre tudo e que ali há acolhimento e em grande parte não seremos julgados por aquele ou aqueles que nos escutam.
Eu também conheço o ambiente religioso, e, vejo que falta-nos a capacidade de ouvir, mesmo a Escritura declarando que devemos ser prontos para ouvir (Tg 1.19). Falta-nos a capacidade de ser o ombro amigo na hora da dor. E isto acontece porque há falta de confiança entre nós. Há falta de comunhão, não queremos ter tudo em comum. Também não sabemos demonstrar graça e misericórdia para com o erro dos outros. Queremos que ajam assim para conosco, mas nós não atuamos assim em relação aos outros. Sendo assim, diante das frustrações e dos dilemas é preferível viver uma falsa alegria, escondendo as nossas dores da alma.
Diante do sofrimento e das decepções é melhor ficar calado. Encher-se de mágoas e ir envelhecendo a olhos vistos e quem vê, faz de conta que não vê para não ter que se preocupar com a dor alheia.
Eu sei que estou generalizando. Sei que nas duas situações há exceções. Conheço os dois lados. Sou conhecido nos dois. Procuro caminhar pelo meio. Até porque gosto de uma boa conversa. Também aprendi que tenho dois ouvidos para ouvir mais e falar menos. Sendo assim, estou sempre disposto a ouvir o queixume dos amigos e não só, pois eu também quero alguém para desabafar!
Este foi o grito solitário de alguém que já não suporta mais a dor. É o grito calado de tanta gente que não tem ninguém que os ouça. Gente que está sofrendo calada.
Tenho a felicidade de ter um amigo com quem posso falar de tudo. Desabafo e sei que não sou julgado por ele. O meu amigo apenas me ouve e eu, bem fico aliviado e tranquilo.
Sinceramente, é triste ver alguém a desejar partilhar e não ter com quem. Fiquei triste com esta realidade. Ela pode ser a minha realidade também. Que na caminhada da vida possamos sempre dizer: “puxa a cadeira e senta, pois preciso desabafar”.
Espero e desejo que ao enfrentarmos a dor e o sofrimento, nesse momento atroz e agonizante em que desejamos um ombro amigo para chorar e desabafar possamos dizer: Obrigado por me ouvir.