Peregrino
A vida de Abrão é simplesmente desafiadora. Gosto principalmente do primeiro momento da caminhada dele com Deus. O texto é muito interessante e diz: “Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. Assim partiu Abrão como o Senhor lhe tinha dito, e foi Ló com ele; e era Abrão da idade de setenta e cinco anos quando saiu de Harã. E tomou Abrão a Sarai, sua mulher, e a Ló, filho de seu irmão, e todos os bens que haviam adquirido, e as almas que lhe acresceram em Harã; e saíram para irem à terra de Canaã; e chegaram à terra de Canaã.” (Gn 12:1-5). Todas as vezes que leio esse texto, confesso que sinto-me próximo de Abrão, que deixou sua terra, sua parentela e seguiu caminhando com o Senhor para a terra que Ele haveria de mostrar. Faz tempo que deixei a minha terra e as vezes que regressei, na maioria das vezes os motivos não foram tão bons. Estou longe de casa, longe da minha gente, sou um peregrino.
Olhando para a vida de Abrão e sua caminhada, foi que parei para ponderar sobre a minha vida e pude perceber que em certo sentido, tive muito mais vantagens que ele, mas como ele, enfrento os dilemas e as dores da caminhada por estar longe de casa e peregrinando.
Quando penso na história de Abrão e olho para a minha caminhada, lembro-me de Gonzaguinha, um dos melhores compositores da MPB. Em sua canção “Caminhos do Coração” Gonzaguinha diz:
"Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz
Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto pra dormir e sonhar
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
É tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais…"
Essa canção está repleta de esperança, cheia de cumplicidade e amor. Gonzaguinha afirma que que pode regressar a todos os lugares, diz que pode ir e vir sem problema, isso porque deixou sempre a porta aberta. Ele declarou que podia peregrinar, mas sua peregrinação seria celebrada pelo reencontro. A canção fala da importância de poder regressar aos locais onde passamos, rever os amigos que fizemos e celebrar o reencontro.
Reconheço que em mim há um misto da história de Abrão e da música de Gonzaguinha. Enquanto peregrino, posso regressar aos lugares e reencontrar os amigos e confraternizar com eles. Tenho o privilégio de matar a saudade e desfrutar da comunhão. Entretanto, Abrão deixou sua terra, sua parentela e saiu em busca do desconhecido. O que geralmente não pensamos é a saudade que ele e sua mulher sentiram dos familiares e amigos. A dor e a tristeza que sentiam quando recordavam dos seus. Os momentos que desejaram estar juntos em celebração com a família. Não avaliamos a dor que devem ter sentido por não estar presente no enterro dos familiares e não conviver com os sobrinhos e ver o crescimento dos mesmos. Essa também tem sido minha realidade, mas apesar de tudo, tenho o privilégio das tecnologias e por isso, posso estar, de certa forma, próximo de minha família.
Como Gonzaguinha, eu também posso dizer que “há muito que saí de casa”. Matheus era uma criança e hoje é um adulto, responsável, trabalhador. A família não o viu crescer, não teve a oportunidade de ver as experiências maravilhosas pelas quais ele passou. Débora é uma mulher, terminou sua universidade e pouco conviveu com eles, estamos longe de casa e da família. Meus sobrinhos cresceram, e os sobrinhos por afinidade já são pais. A peregrinação tem feito com que não viva momentos maravilhosos da família. Tal qual Abrão, não tenho vivenciado de perto as alegrias e tristezas da família.
Abrão foi um peregrino que teve que caminhar de um lugar para o outro. Onde chegava era visto como um estrangeiro, não importava se falava o idioma local ou não e como eu entendo isso, pois onde chego, por mais que fale o idioma do lugar, sou sempre um estrangeiro e muitas vezes sou um estranho dentro da própria família. Reconheço que perdi parte da minha cultura e tive que adquirir muito da cultura das terras por onde tenho passado.
Peregrinar é caminhar com esperança. Abrão deixou sua terra e parentela nessa perspectiva. Ele deixou sua terra em obediência a Deus e com uma promessa e pela fé, caminhou cheio de esperança. A minha peregrinação não é por um futuro melhor, mas fundamentado na esperança de ver dias melhores para aqueles que convivem conosco. Somos caminhantes, peregrinos e buscamos chegar à nossa verdadeira casa.
Abrão deixou sua terra para ser bênção a todos que com ele se encontrassem. Deixamos nossa terra com o desejo de ser bênção para todos os que convivem conosco. Vivemos uma vida simples e normal, procuramos fazer amigos por onde passamos. Não desejamos amizades interesseiras. Queremos abençoar este povo dar-lhes esperança, sem pedir nada em troca. Queremos caminhar com graça e na graça, desenvolvendo amizades sinceras e que as pessoas percebam que somos uma família que caminha abençoando e sendo abençoada.
Abrão caminhou com fé, na certeza de que o Senhor era com ele. Essa é a certeza que temos. Estamos aqui e continuamos a caminhar, mesmo que estejamos longe dos nossos entes queridos, mas na certeza de que o Senhor está conosco. Estamos aqui peregrinando com fé na certeza de que veremos dias melhores e isso, não é no sentido material, mas sim no espiritual. Temos convicção plena de que o Senhor está guiando-nos e conduzindo-nos à vitória e essa vitória, também redundará em triunfo para muitos dos que se encontram conosco.
Peregrinar é um processo lento, muitas vezes doloroso, mas com o Senhor sempre será um caminho que produz paz ao coração.