Saudade
A saudade é algo complicado, pois há momentos em que ela surge repentinamente e aperta o nosso coração que diz que não quer caminhar para frente, não deseja o futuro. Portanto, ela nos faz parar no tempo e o coração diz que deseja caminhar para trás.
Saudade é um intervalo no presente. É a presença ausente que se manifesta e nos arrebata e essa presença nos transporta no tempo, nos faz viajar sem que saiamos do lugar. Ela nos transporta para junto de pessoas e lugares que já não estão no nosso presente. Ela é o coração caminhando para trás, para ir buscar pessoas e momentos que nos marcaram e por isso, eles fazem falta e o coração insiste em tê-los no presente.
Ela é esta dor fina que invade o ser e às vezes se manifesta deixando-nos melancólicos, e umas outras tantas vezes, nos deprime, mas também é verdade que ela nos invade e nos enche de alegria. Recordamos momentos únicos, inesquecíveis e não queremos nos desfazer deles. Portanto, ela é aquele momento em que a memória está dizendo que deseja reviver aqueles momentos importantes. É a vida sendo rebobinada para o conhecido e não caminhado em direção ao desconhecido. Pois o futuro é incerto e desconhecido, não sabemos o que irá acontecer.
Saudade é este interregno. É como a crise que nos deixa em suspenso. Coloca-nos num ponto de tensão e decisão. Ela nos leva a decidir se vamos alimentar a memória ou extirpá-la. Se queremos reviver e viver ou apenas sobreviver, mas ela é uma viagem no tempo. É o nosso ser buscando aqueles que se fazem presentes mesmo na sua ausência. É o ser gritando que nem o tempo, nem a morte nos poderão separar deles.
Ela é uma viagem para dentro do ser. É um reencontro consigo mesmo, mas também com tantas pessoas e lugares que a alma rejubila. Saudade é essa caminhada para trás. É assim que eu me encontro hoje. Encontro-me com saudade. Estou realizando essa viagem ao passado para, no meio dos desencontros, reencontrar aqueles que me são caros. Para que o coração aquiete-se e desfrute da alegria dos momentos que juntos passamos e que estão presentes e são reais, mesmo na ausência dessas pessoas tão marcantes da minha vida.
Hoje eu não quero sonhar. Não quero olhar para frente e pensar no futuro. Quero viajar para dentro de mim. Quero sair de mim e em mim rumo ao passado, para viver momentos e histórias que foram únicos e inesquecíveis. Quero reencontrar amigos e familiares. Quero o sorriso e a alegria. Quero também os momentos em que partilhamos as lágrimas, pois aí nossa amizade e cumplicidade se fortaleceram.
Saudade é o coração apertado. É essa parada que nos deixa melancólicos. Que nos tira o foco e faz com que o presente seja um momento do passado. Um momento distante, mas que é tão marcante que interrompe a caminhada para o futuro. Para o tempo, refaz a vida e o sonho.
Esse ano é o ano das muitas perdas e de muita saudade. É um ano de lágrimas e de uma dor coletiva, onde a saudade nos traz muita gente que tombou por causa do Covid-19 e por isso, a saudade e faz presente e eu, longe dos meus digo com o coração apertado como o Salmista: “Junto aos rios da Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião. Sobre os salgueiros que há no meio dela, penduramos as nossas harpas”. (Sl 137.1-2) Saudade é o coração caminhando para trás. Indo em direção ao passado e hoje eu estou assim, com saudade.