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Se eu morresse amanhã



O ser humano é complexo. É um ser pleno de sentimentos e emoções. É relacionável e precisa conviver com outros para se perceber e ser. Contudo, e apesar de tudo, é essencialmente alguém que está voltado para si esquecendo-se dos demais. Isto não quer dizer que viva isolado, mas que o seu foco está centrado em si e as suas preocupações nunca estão voltadas para aqueles que estão à sua volta.

O ser humano vive de relações fugazes. Os amigos são os do momento e raríssimas vezes vemos expressões de gratidão. Entretanto, percebemos que as discussões são comuns e por motivos banais e nestes momentos acirrados trocam-se acusações e ofendem-se mutuamente e depois fazem de conta que nada aconteceu, ou então, fala-se que isto acontece entre amigos. A memória é curta quando se agredi alguém psicologicamente, quando se ofendi verbalmente e até mesmo fisicamente. É fácil esquecer e fazer de conta que nada aconteceu. Assim sendo, muito fica por dizer e feridas ficam abertas até que um dia o ser percebe-se que aquele que era próximo é levado de si e agora já não há como refazer as coisas e então é necessário reconstruir-se a partir do que ficou e do que se tem na memória.

O ser humano é um ser relacional. É através da relação que nasce a amizade. Amizade é algo único que tira o ser do centro. José Tolentino de Mendonça diz que: “A amizade é a arte de desprendimento”, mas desprender-se é complicado e muito doloroso porque o ser deseja tudo para si. Contudo, como ele segue afirmando: “O interesse por qualquer forma de ganho obscurece na amizade o verdadeiro bem. Ela tem de ser uma experiência radical de gratuidade. Amamos o amigo não pelo que ele possui ou pelo que nos pode dar, mas apenas pelo que é.


Eis aqui o grande desafio para cada ser humano, amar o outro pelo que ele é.


A Escritura declara que há um tempo determinado para todas as coisas, o tempo de nascer e o tempo de morrer (Ec 3.1-2), mas o ser humano vive sem pensar que o seu fim chegará e que o fim dos amigos também irá bater à porta, mas quando menos se espera a morte se apresenta e rouba aqueles que são estimados. E é neste momento que apercebe-se que valorizou o que não deveria valorizar, disse o que não deveria dizer e muito ficou por falar, mas agora é tarde.

Eu sou parte deste grupo e infelizmente vejo que também ajo assim. Sei que não deveria ser assim, mas é complicado e difícil fazer diferente. Sendo assim, eu deparei-me com a seguinte questão: E se eu morresse amanhã?

Se morresse amanhã viraria o melhor de todos os seres humanos. Só teria virtudes e diriam que fui o melhor amigo de sempre. Falariam do meu jeito brincalhão de ser. Diriam que fui um “cara legal”, que fui um ótimo pai, mesmo sem perguntarem aos meus filhos se isto era verdade e que marido maravilhoso eu fui, mas seria isto verdade?

Sei que muitos apareceriam e alguns de forma verdadeira e sincera iriam solidarizar-se com os meus, outros seriam apenas para ficar bem na “foto”. Claro que teriam as coroas de flores e seriam bastantes. Tudo isto aconteceria se eu morresse amanhã. O triste é que guardamos os elogios e as palavras de gratidão para quando já não fazem mais sentindo. É preciso verbalizar e expressar o que vai no ser enquanto temos aqueles que amamos conosco.

Não sei se morro amanhã. Não sei se algum dos meus amigos morrerá amanhã, mas não vou esperar a morte chegar para falar da importância dos meus amigos e dizer-lhes como eu os valorizo. É fundamental entender o que escreveu Tolentino: “Os amigos não defendem apenas o nosso sorriso: oferecem-nos o tempo para chorarmos o que temos de chorar.” Desta formar, não quero apenas os sorrisos, quero chorar em vida e na vida e sempre verbalizar o que sinto e na despedida eu possa apenas dizer com a dor que invade o meu ser: Obrigado meu amigo.

Se eu morresse amanhã, queria partir livre e deixando meus amigos livres sem ter que dizer muitas palavras. Apenas o até breve, porque na vida e em vida fomos o que tínhamos de ser na vida uns dos outros.


#vida #amigos #amor #partir

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