Sem título

Há alguns anos atrás, vivi uma experiência aqui na cidade de Coimbra. Fui até uma clínica dentária e, enquanto preenchia a ficha de inscrição, a jovem recepcionista perguntou qual era a minha formação acadêmica e como eu gostaria de ser tratado. Disse-lhe a formação que tinha e depois informei que gostaria de ser tratado pelo meu nome, pois meu título ali não valia de nada, foi aí então que ela contou-me sobre uma pessoa que, ao ser chamada pelo nome, levantou-se irritada e a repreendeu, dizendo que deveria ser tratado por senhor, professor, doutor fulano de tal. Eu sorri e disse a ela que toda a pompa dele não valia nada, pois como qualquer mortal, estava ali, necessitando que alguém cuidasse de sua dentição, e a jovem sorriu.
Recordei essa história, depois de ver a reportagem do Fantástico, transmitida no dia 05 de julho deste ano, que tratava da reabertura dos bares e restaurantes no Rio de Janeiro. O foco da reportagem era a rotina dos fiscais da vigilância sanitária e mostrou como esses trabalhadores eram humilhados e intimidados. Foi nesse contexto, que uma pessoa, frequentadora de um determinado bar, decidiu tirar satisfação com o fiscal. Esse cidadão estava acompanhado por uma mulher, que penso ser a sua companheira. Ela comparou os dois homens e disse o seguinte àquele fiscal que chamou seu companheiro de cidadão: "Cidadão não, engenheiro civil, formado, melhor do que você”. Como é que o fiscal poderia saber qual a profissão do frequentador do bar? Além de fiscal, tinha que ser adivinho? E desde quando uma formação acadêmica faz um ser humano ser melhor que outro?
Diante dessa reportagem, vieram-me à mente as palavras de Anselm Grün, do seu livro “Vive-se apenas uma vez”, e no capítulo onde ele trata da retirada da vida profissional, diz: “Quem se define apenas a partir da função perde a si mesmo quando a função acaba. A função dá-nos certa segurança, mas devemos, já enquanto exercemos o ofício, construir uma distância interior em relação ao cargo. Não devemos deixar-nos absorver pela posição.”
Para aquela mulher, um ser humano é medido por seu título e por sua formação acadêmica. Mediante o que vi e refletindo na postura tomada por ela, recordei do texto da Escritura que diz:
“Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas. Porque, se no vosso ajuntamento entrar algum homem com anel de ouro no dedo, com trajes preciosos, e entrar também algum pobre com sórdido traje, E atentardes para o que traz o traje precioso, e lhe disserdes: Assenta-te tu aqui num lugar de honra, e disserdes ao pobre: Tu, fica aí em pé, ou assenta-te abaixo do meu estrado, Porventura não fizestes distinção entre vós mesmos, e não vos fizestes juízes de maus pensamentos? Ouvi, meus amados irmãos: Porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? Mas vós desonrastes o pobre. Porventura não vos oprimem os ricos, e não vos arrastam aos tribunais? Porventura não blasfemam eles o bom nome que sobre vós foi invocado? Todavia, se cumprirdes, conforme a Escritura, a lei real: Amarás a teu próximo como a ti mesmo, bem fazeis. Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, e sois redargüidos pela lei como transgressores.” (Tg 2.1-9).
Ainda bem que Deus, o Criador, nos vê como somos e não pelos títulos que temos ou deixamos de ter.
Enquanto ser humano, quero viver livremente e sem nunca me prender ao título que uma formação acadêmica confere. Quero olhar para meu próximo como alguém de muito valor, independente de sua formação. Não desvalorizo os títulos, mas também não os sobrevalorizo ao ponto de desejar que pessoas que jamais tiveram contato comigo, que não me conhecem, me tratem como se eu fosse a maior autoridade do lugar. Não, isso não pode ser, prefiro ser apenas esse caboclo que vive com graça e na graça d’Aquele que não faz acepção de pessoas.
Eu vivo muito bem apenas sendo quem sou, livre de um determinado título. Gosto de ser apenas o Marcos. E é por isso que deixo a seguinte mensagem: Lembre-se, um dia sua função passará, não se deixa absorver por ela e pelo título que ela lhe confere, seja você mesmo e viva livre, sem título.