Sinfonia

Manaus é a minha cidade e eu a carrego em mim. Amo a gente de lá e o jeito de ser do manauara. Gosto daquele falar com toque, povo de sorriso fácil, sem falar da gastronomia. Não tem jeito, sou caboclo e por mais que caminhe por muitos lugares, sempre quero voltar. Aliás, uno à minha voz a de João Alexandre e canto:
"Por mais distante desse lugar, meu coração sempre quer voltar
Pra te querer muitos dias bons, mesmo vivendo esses dias maus,
Deus te abençoe e te guarde, Morada do sol, Manaus..."
Recordo-me da última vez que estive em Manaus. Além do prazer de rever meus amigos e de saborear da culinária, vivi um momento único, uma epifania de forma intensa. Acordei no meio da madrugada, pois não tenho mais o hábito de dormir com ar condicionado. A boca seca e por isso, levanto-me e dirijo-me até a cozinha para beber um pouco de água e foi nesse momento que fui envolvido pela mais linda das sinfonias. Era uma sinfonia entoada pelos pássaros da minha terra, ali todos a cantarem, cada um com seu canto suave e belo. Eles exaltavam o Criador, por seu cuidado e proteção. Recordei das palavras de Jesus que se tornaram imortais no evangelho de Mateus que diz: “Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?” (Mt 6.26). Os pássaros exultavam pelo sustento diário que é provido pelo Senhor. Eu fiquei vislumbrado, porque já não estava acostumado ao canto dos pássaros amazónicos.
Na realidade, esta sinfonia de louvor, realizada por aqueles pássaros demonstra o que o salmista escreveu: “Até o pardal encontrou casa, e andorinha ninho para si e para sua prole, junto dos teus altares, Senhor dos Exércitos, Rei meu e Deus meu.” (Sl 84.3). Pássaros fazem seus altares nas copas das árvores. Eles louvam e agradecem pela providência divina e louvam a Deus por saberem quem Deus é e por reconhecerem o cuidado divino. É com esta mesma liberdade que devemos adorar a Deus. Foi isto que Jesus disse à samaritana: “Deus é espírito e os que o adoram devem fazê-lo em espírito e em verdade.” (Jo 4.24). Livres das amarras e tradições religiosas, livres dos preconceitos e das regras que engessam o adorador e não permitem que haja uma manifestação livre daquele que deseja expressar sua adoração a Deus.
A sede que me invadiu foi a melhor coisa que podia ter acontecido comigo, pois tive a oportunidade de ouvir a melhor das sinfonias. Minha alma ficou repleta de alegria. Deliciei-me ao som da passarada. Saboreei aquele momento único, reconhecendo que as coisas mais belas da vida não se encontram em grandes construções, não se acham nas grandes elucubrações filosóficas, mas sim nas coisas simples que Deus criou. “Olhai”, contemplai as coisas que a natureza apresenta e desfrutai da beleza que ela apresenta e aprendei com os pássaros a louvar a Deus!
Olhe para as flores e rosas e veja que na beleza e simplicidade delas, há a oportunidade de aprender a grande lição da existência humana e sua fragilidade! Quando olhamos para a criação com os olhos de ver, com este desejo contemplativo verdadeiro, reconhecemos o agir de Deus e aprendemos a louvá-lo.
Acordei no meio da madrugada, garganta seca e levantei-me para beber água. E como diz Erri de Luca: “As águas como as palavras caem e em grande parte se perdem no mar da terra. Jesus quer que as suas palavras sejam como águas correntes, ditas e pensadas para que se espalhem. E sabe-se lá quantas se perderam, escutadas e esquecidas. Não quis escrever nada, não quis secretários que tomassem apontamentos. Quem podia, retinha na mente. Não desejava fechar a água numa gaiola. Jesus sabia que as palavras ditas valem mais do que as escritas, como a música executada, mais do que a partitura que a fixa.” Na minha sede, a água escorreu pela garganta matando-me a sede, mas mais do que isto, ela deu-me o prazer de ouvir a mais bela de todas as sinfonias e só me foi possível ter o privilégio de ouvi-la porque os pássaros, não estavam engaiolados.
A sinfonia para ser bela deve ser tocada e ouvida com prazer. Eu desfrutei da beleza do canto dos pássaros, mas eles exultavam pela liberdade e providência do Criador para com eles.
A garganta estava seca, mas os ouvidos bem abertos. A sede era imensa, mas, a água correu livre e enquanto ela escorria garganta abaixo. O ouvido desfrutava da música que vinha livre e livremente me invadia todo o ser e enquanto isso acontecia, eu agradecia a Deus e louvava-o pelo seu cuidado e proteção.