Sou rico
Sou um homem rico. Sim, sou realmente rico. Mesmo não tendo a conta bancária recheada, mesmo tendo que pagar todos os meses a prestação da casa e fazendo um grande esforço para que isto seja possível e tendo muitas vezes que contar as coroas para aguentar o fim do mês, mas eu sou rico.
Jesus em uma de suas parábolas questiona: “Que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8.36). Qual a importância de ter, sem ser? Há pessoas que têm muito dinheiro, vivem sem problemas financeiros, mas a única coisa que elas têm é o dinheiro. Não são, vivem vidas secas e vazias. Perderam sua essência e por isso, deixaram de ser.
Nossa cultura valoriza o ter e vivemos a máxima do ter e do parecer. Se temos e parecemos, está tudo bem. Nossa sociedade é hedonista. Vive-se o prazer pelo prazer, mas infelizmente o que se vê na realidade são pessoas desesperadas e perdidas procurando a fonte da felicidade, mas elas vivem isoladas e fechadas em seu próprio mundo.
Sou rico, não por ter muitas coisas. Gosto de ter coisas, mas para que sejam usadas e partilhadas e o pouco que tenho é sempre usado. Entretanto, minha riqueza é a riqueza de ser e o ser me faz valorizar o meu semelhante. Esta realidade sempre me vem à mente quando leio a narrativa de Ortberg sobre sua visita a Etiópia. Ele teve uma conversa com um homem de lá e este lhe disse: “No ocidente vocês medem a riqueza de um homem pelos bens que ele possui. Neste país, nós medimos sua riqueza pelos amigos que ele tem.” Eu sou rico, pois tenho muitos amigos. Sou rico em relacionamentos. E fico feliz por saber que posso ir e vir na certeza de que tenho uma porta aberta para me receber.
Quando penso nisto lembro-me de Gonzaguinha afirmando em sua canção:
“Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz
Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto prá dormir e sonhar
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração.”Posso voltar e contar com este prato de comida e que também, aqueles que passaram por mim, sabem que podem contar com a provisão, pois a vida é partilha e quem partilha enriquece.
Sou rico e muito rico. Não tenho coisas, mas tenho emoções e sentimentos e neste aspecto sou riquíssimo. Não me privo de viver as alegrias, tristezas e frustrações e contentamentos. Claro que há medo. O sofrimento é real, mas o contentamento também. Na realidade sou rico na troca de experiências e no crescimento da vida e na formação daquilo que sou e o que virei a ser.
Economicamente sou uma pessoa que vive no limite. Mas aprendi a contentar-me com o que tenho. Agora na vida sou riquíssimo. Rico nas experiências que tenho vivido e delas não abro mão. Concordo com Vinícius que diz que a vida só se dá pra quem viveu. Ela é a arte da entrega, a troca das experiências.
Sou rico porque tenho muita gente com quem me relaciono. Sei que nestes relacionamentos eu posso decepcionar-me e decepcionar. Sei que posso sofrer e fazer sofrer, mas neles eu vivo e desfruto da vida. É através destes relacionamentos que a vida se faz vida.
Sou rico e minha riqueza se constitui na troca das experiências. No que recebo dos outros e daquilo que dou aos outros. Utilizando a ideia de Rubem Alves é como uma partida de fresco ball, onde é um vai e vem de prazer, onde ninguém sai perdendo, mas todos ganham e se divertem.
Sou rico. Rico nas minhas experiências. Rico nas minhas emoções. Rico por ter amigos e por viver um grande amor.