Um bocado de pão

Nas Escrituras, há um relato onde Jesus se encontrava na cidade de Betânia, na casa de Simão, o leproso, e Maria num ato de profunda devoção unge Jesus com um perfume caríssimo, que deixou toda a casa perfumada e esse gesto, causou profunda indignação em alguns e o Senhor disse: “Deixai-a; para o dia da minha prepara para a sepultura o guardou; porque os pobres sempre os tendes convosco; mas a mim nem sempre me tendes” (Jo 12.1-8). O texto mostra que Jesus tinha consciência do momento que vivia, pois fala abertamente de sua morte, mas é magnífico vê-lo afirmando que sempre teremos pobres em nosso meio. Contudo, em nossos dias, pensamos que as pessoas não passam por privações. Pelo menos as do nosso grupo de convivência. Na maioria das vezes, quando vemos os pedintes nas ruas, ficamos chateados e achamos que não querem trabalhar, ou que estão tentando tirar o que conquistamos com muito esforço.
Para nós, é muito difícil dividir, principalmente quando a situação está complicada. Nossa mentalidade é que devemos somar e multiplicar. Não gostamos de subtrair e dividir. Queremos sempre mais. Entretanto, devemos ficar com o que disse Vinícius de Moraes, na canção Como dizia o poeta: “Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair. Pra que somar se a gente pode dividir.” E assim, o Poetinha consegue ter uma visão mais cristã que muitos cristãos, pois a Escritura diz: “Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é necessário auxiliar os enfermos, e recordar as palavras do Senhor Jesus, que disse: Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (At 20.35).
Em tempos de fartura, as coisas se estragam. Não nos preocupamos com nada. Tudo é festa. Em tempo de escassez aprendemos a valorizar as pequenas coisas. Também aprendemos a ser generosos e misericordiosos. Gosto da história do profeta Elias com a viúva de Serepta (1 Reis 17.8-16). O texto mostra que o profeta foi para o estrangeiro, e num tempo de escassez, foi alimentado por uma viúva. Até aí tudo bem. Contudo, quando vemos que a mulher só tem um pouco de farinha para fazer dois pequenos bolos a situação fica complicada. O homem pede que ela lhe faça um bolo. Se isso acontecesse conosco o que faríamos?
Creio que o mandaríamos o profeta dar uma volta. Talvez disséssemos para ele o seguinte: - Não te conheço de lado nenhum. Vai trabalhar!
Entretanto, essa mulher fez um bolo para Elias. Alimentou-o, e só depois é que foi cuidar de si e do seu próprio filho. Isso me ensina que a solidariedade é uma característica dos que sabem como a vida é difícil. Quem tem pouco e vive com pouco sabe dividir e esticar o pouco que tem para ajudar outros.
A solidariedade nos faz ver que há pessoas que se encontram em situações piores do que a nossa. Elias não tinha nada. Ela ainda podia fazer dois bolos. Solidariedade é fruto da compaixão e surge como ato de amor em relação ao próximo.
A solidariedade nos capacita a cuidar dos que estão sem nada. Elias foi amparado por uma mulher que nem o conhecia. Será que temos cuidado dos nossos e fundamentalmente, temos preocupado-nos com a dor daqueles que não conhecemos, mas que surgem em nosso caminho?
O resultado da história é que não faltou comida para eles. Aconteceu o milagre de Deus. Pois é, Deus opera maravilhas, mas para que a multiplicação de Deus aconteça, nós precisamos aprender a lição da divisão.
Antes de achar que nossa situação é a pior de todas, olhemos à nossa volta. Há pessoas em situações muito piores. Talvez, estas pessoas sejam aquelas que Deus enviou até nós para que possamos agir como a viúva.
Queremos multiplicar as coisas? Aprendamos então a dividir. Não é o ter por ter. É o ter para servir. Que o meu bocado de pão se torne em fartura na partilha com aquele que está passando por necessidade.