Um ser em construção
Sou um ser inacabado, melhor dizendo, um ser em constante construção. Por estar inacabado, significa dizer que estou em processo de crescimento e desenvolvimento. Isso significa que a minha vida está em mudança constante, pois como dizia Vinícius, “mal a gente nasce e já começa a morrer e morremos um pouco a cada dia e renascemos para um novo encontro e uma nova folia”.
Reconhecer que sou inacabado e que estou em construção significa reconhecer que há aspectos que precisam ser mudados, enquanto outros, refeitos. É reconhecer que não sou perfeito e que acima de tudo não tenho a última palavra.Hoje, vejo-me e revejo-me e percebo que neste processo de construção, há tanta coisa que ficou para trás, projetos que necessitam ser resgatados, sonhos que necessitam ser concretizados e outros tantos que se tornaram pesadelos e, por isso, devem ser excluídos da minha vida.
Olho-me no espelho e vejo as marcas do tempo, as mudanças, mas também conheço-me um pouco mais, mas também desconheço-me, pois o mudar faz com que aquilo que eu tinha como tão precioso e verdadeiro, hoje seja visto como irrelevante e, ao vê-lo assim, desconheço-me, o que não significa negar meu ser, mas mostra que o ser que sou está em ebulição e, nesse caso, melhor utilizar a imagem de Chico Buarque e dizer que este ser que sou é apenas um “Operário em construção”.
Hoje fui obrigado a caminhar no tempo e o fiz não com saudade, mas com a obrigação de rever o que sou e de buscar respostas. Fi-lo ao ouvir a música de Oswaldo Montenegro “A Lista”. Ouvindo a canção, refletindo na letra percebi que muitos dos meus amigos já não os vejo faz tempo. Pior! Já não mantenho contacto com eles. Amo-os sim, mas será que eles percebem isto?
Poucos são os amigos que vejo todos os dias, enquanto que outros não os verei nunca mais. O que é triste, nesse aspecto, é que perdi a oportunidade de dizer-lhes o quanto significavam para mim. Já não terei a oportunidade de vê-los ou ouvi-los, tão-somente porque deixei para depois, na infeliz e estúpida ideia de que amanhã lhes falaria. O tempo passou e não falei, até porque o amanhã é um sonho, pois o tempo que tenho é hoje.
Olhei para trás e vi meus sonhos. Alguns foram desfeitos, outros, concretizei-os, mas há tantos que ficaram pela estrada. Alguns sonhos os deixei para trás e hoje é tão difícil resgatá-los, mas mesmo assim quero resgatá-los e tentar concretizá-los. Até porque o sonho faz e comanda a vida e quem não sonha perdeu a capacidade de viver.Ao revisitar o meu passado vejo os amores que foram intensos, quando juras eternas foram feitas. Vejo também que muitos deles ruíram, não deu para preservar e se esvaíram com o tempo e resta a lembrança dos dias passados, das juras, mas acima de tudo a recordação do que foi vivido.
Descubro que meus sonhos, meus mistérios foram e estão sendo desvendados. Ao mesmo tempo, vejo que são coisas tão bobas que ninguém se importa. Alimentei fantasmas, criei problemas e pesadelos onde eles não existiam e agora posso ver que não passavam de coisas banais.
A minha vida está em processo de transformação. Meus gostos mudam, aprendo a gostar do que antes não gostava. Pego-me ouvindo canções que afirmava não gostar e deixo de ouvir outras tantas. A vida vai transformando-se e eu juntamente com ela. É nessa transformação que vou aprendendo a ser o que devo ser e como quero viver. É como diz o apóstolo Paulo: “Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Fp 3.12-14).
Hoje eu olhei para trás, mas não fiz uma lista e nem quero fazê-la, até porque sofrerei se a fizer. Verei quantos amigos não estão presentes, verei todos os sonhos frustrados. A realidade é que se fizer uma lista, descobrirei que pessoas que tanto amei ficaram pelo caminho e não amam-me, não por causa delas, mas pelo que deixei de construir com elas.
Sou um ser inacabado, um operário em construção, mas quero reconstruir-me e refazer sonhos e amizades que ficaram pelo caminho.