Uma aliança de morte

Todos vimos angustiados e com um misto de indignação e tristeza o Afeganistão caindo nas mãos dos talibans. Não desejo falar da luta geopolítica e muito menos do uso desses embates com o objetivo de defenderem interesses espúrios. Meu desejo é olhar muito além e perceber que todas as vezes que religião e política se unem, todas as vezes que a política faz uma aliança com a religião, o resultado é sempre a morte de muitos, algo que já é comprovado pela história. Nessa promiscuidade, a religião utiliza-se da política em seu próprio benefício e usa o Estado contra seus opositores e, em contrapartida, o Estado utiliza-se da religião para poder perpetuar as suas ideias em nome de Deus, afim de manter a continuidade no poder, ao manipular as pessoas através do divino, ou eliminar a todos os que se opõem à forma de governo político-religioso. O evangelho de Marcos deixa isso muito claro pela forma como os religiosos usaram o Estado para condenar Jesus à morte e também de como o Estado usou a religião para evitar uma revolta coletiva. Os religiosos que haviam prendido Jesus e não podiam matá-lo, fizeram o seguinte:
“De manhã bem cedo, os principais sacerdotes, os líderes do povo e os mestres da lei — todo o alto conselho — se reuniram para discutir o que fariam em seguida. Então amarraram Jesus, o levaram e o entregaram a Pilatos. Pilatos lhe perguntou: “Você é o rei dos judeus?”. Jesus respondeu: “É como você diz”. Os principais sacerdotes o acusaram de vários crimes, e Pilatos perguntou: “Você não vai responder? O que diz de todas essas acusações?”. Mas, para surpresa de Pilatos, Jesus não disse coisa alguma. A cada ano, durante a festa da Páscoa, era costume libertar um prisioneiro, qualquer um que a multidão escolhesse. Um dos prisioneiros era Barrabás, um revolucionário que havia cometido assassinato durante uma revolta. A multidão foi a Pilatos e pediu que ele libertasse um prisioneiro, como de costume. Pilatos perguntou: “Querem que eu solte o ‘rei dos judeus’?”. (Pois havia percebido que os principais sacerdotes tinham prendido Jesus por inveja.) Nesse momento, os principais sacerdotes instigaram a multidão a pedir a libertação de Barrabás em vez de Jesus. Pilatos lhes perguntou: “Então o que farei com este homem que vocês chamam de ‘rei dos judeus’?”. “Crucifique-o!”, gritou a multidão. “Por quê?”, quis saber Pilatos. “Que crime ele cometeu?” Mas a multidão gritou ainda mais alto: “Crucifique-o!”. Para acalmar a multidão, Pilatos lhes soltou Barrabás. Então, depois de mandar açoitar Jesus, entregou-o aos soldados romanos para que fosse crucificado” (Mc 15.1-15).
Quais são as lições que aprendemos com esse texto?
A primeira lição é que religiosos que amam mais o seu status do que a Deus e, é por isso que destroem a vida dos seus opositores. O texto deixa claro que a preocupação daqueles líderes era com sua posição e, para se justificarem, em nome de Deus, eles fazem justamente o que Deus diz para não ser feito. Deus desautoriza que tiremos a vida do nosso semelhante, mas os sacerdotes e demais líderes religiosos o fizeram utilizando-se do poder político. Ou seja, quando religiosos amam seus cargos, se vendem ao Estado ou utilizam o Estado para que seus interesses sejam mantidos.
Notamos também que o Estado faz tudo para se manter confortavelmente no poder. Pilatos tinha autoridade para soltar Jesus e ele viu que Ele era inocente. Entretanto, diante de um impasse, habilmente faz uma breve aliança que satisfez os religiosos, mas os deteve presos em suas próprias mãos, sendo controlados para que estivessem sujeitos e alinhados com o Estado.
Por último, aprendemos que religiosos manipulam o povo para atingirem os seus fins. O texto mostra que os líderes religiosos, que tinham inveja de Jesus, instigaram a multidão para que Jesus fosse condenado à morte. Eles foram impiedosos, pois amaram mais os seus cargos, desprezaram a Deus e a vida, pois tudo o que lhes importava era permanecerem no poder, ao manipularem o povo.
Reflito no que está acontecendo no Afeganistão e, ao mesmo tempo para o relato do julgamento de Jesus e vejo que o ser humano está agarrado a um extremismo religioso capaz de matar em nome de Deus. Para isso, ele se utiliza do Estado e permite que o Estado seja um braço da religião, com o único objetivo de se manter no poder. A questão que fica para mim é a seguinte: Estarei sendo manipulado pela religião ou pelo Estado, com o propósito único de destruir para destruir a vida do meu irmão, mesmo que, para isso, deixe de fazer a vontade de Deus?