Viajar

Vou viajar. Uma viagem muito minha. Fá-la-ei com coragem, vasculharei tudo e indagarei tudo o que possa ser indagado. Não olharei para os demais. Não quero saber se outros ousam viajar. Eu quero olhar para mim, invadir-me e perscrutar-me no mais profundo recôndito do meu ser. Quero me perder e me achar, quero me conhecer e reconhecer. Vou para dentro de mim com ousadia, rompendo meus temores, rasgando a fantasia, despindo-me de mim mesmo. Vou morrendo e renascendo a cada descoberta. Apavorando-me e desesperando-me com o que vejo, mas não desisto, vou adiante.
Revejo-me e descubro-me. Invado-me e violento-me e vejo para além da capa. Uma capa às vezes bonita e cintilante, mas por dentro, como diz o Mestre sou sepulcro cheio de podridão. Estou deteriorado e deteriorando-me. Carrego em mim toda maldade do mundo. Não quero parecer bonito por fora. Não quero ser o que não sou.
É verdade, invado-me e vejo e revejo meus amores, minhas dores, meus podres e todos os meus dissabores. Não sei porque, mas apesar de tudo não me tornei amargurado. Tantas coisas aconteceram, tantas lutas e tantas crises. Carrego em mim cada momento, cada lembrança, como a vida que se refaz e que mostra-me refletindo para saber escolher e a discernir corretamente.
Vou para dentro de mim. Invado-me e muitas vezes com medo do que descubro e encontro. Rompo com a minha máscara. Revejo-me e vejo-me pecador arrependido. Vejo-me santo pecador e pecador santo, resgatado pela graça e misericórdia de Deus e somente pela misericórdia não fui consumido, porque sou o pior de todos. Vejo-me só, qual a mulher adúltera diante d’Aquele que pode condenar-me, mas n’Ele encontro compaixão e graça. Sou acolhido e advertido a não seguir pelos mesmos caminhos.
Sou indigno e cabe a mim chorar, humilhar-me e ficar no pó e qual publicano clamar por misericórdia. Sim, tem misericórdia de mim pecador e o pior de todos eles. Não quero saber dos devassos, não me perguntem pelos que se vendem, se prostituem física e mentalmente para poder garantir sua sustentabilidade. Não quero saber dos que se utilizam dos outros e mentem descaradamente para poder levar vantagem. Quero olhar para mim e assim me revejo, não neles, mas em mim mesmo, percebo-me pior do que eles e carente de mim e da transformação que devo realizar diariamente.
Viajar para dentro de mim é assustador. Mas também, é transformador. É um processo doloroso, mas terapêutico. Ensina-me a não ser juiz de ninguém, mas pôr-me no banco dos réus e reconhecer que sou culpado e merecedor do pior dos castigos. Sendo assim, resta-me clamar por misericórdia. Sim, peço misericórdia, não há homem algum, não a peço a mim mesmo, pois eu de mim, nada posso fazer, não tenho capacidade para fazer nada de diferente. Clamo por Aquele que se deu por amor e que me ama de forma incondicional e mesmo quando eu próprio abdico e desisto de mim, Ele jamais me vira às costas.
Viajar é arriscado. Cada paragem é reveladora. É angustiante rever-me e descobrir-me nu diante de mim mesmo. É cruel perceber-me sem a máscara da religião, mas é terapêutico deixar-me usufruir da graça. Posso deixar todo o peso e o fardo que carrego e assumir o fardo e o jugo d’Ele que é leve e suave.
Hoje viajo em mim e por mim. Vou no mais profundo do meu ser, no recôndito mais abissal e visceral da minha essência, descubro-me, revejo-me não com as minhas próprias lentes, mas vejo-me santo pecador e pecador santo, mas acima de tudo e por causa do sacrifício na cruz do Calvário, não vejo-me, mas torno-me e sou pecador regenerado e nova criatura em Cristo Jesus.